Eu!
Não foi uma escolha aleatória, mas foi consequência de uma.
Em 2010 eu estava terminando meu mestrado na Austrália em Relações Internacionais com especialização em Paz e Resolução de Conflitos. Já nesse final, para um curso chamado Peacebuilding (reconstrução de países pós guerra) eu tive que fazer uma dissertação sobre “o papel das mulheres na sociedade durante as guerras”, e para isso eu tinha que escolher dois países e mostrar o que tinha acontecido.
Aí veio a escolha aleatória. Como esse assunto era algo que eu ainda não tinha estudado eu fui pra biblioteca da universidade, parei do lado do Globo, fechei os olhos e apontei, os países que eu tivesse apontado seriam os dois que eu iria estudar. E foi assim, aleatoriamente, que eu escrevi sobre Rwanda e Guatemala.
Escrevendo sobre essa dissertação eu me interessei muito pela história da Guatemala, a população Maia, as mulheres e a triste guerra civil que durou muitos anos e matou muitos indígenas.
Me formei, fui viajar para Índia e Nepal, voltei para o Brasil, fui passar um tempo com uma amiga que estava morando em Aracaju, fui para o Chile e voltei pra São Paulo sem saber o que fazer. Essa parte do sem saber o que fazer é bem recorrente na minha vida 🙂
Nessa situação de sem saber o que fazer eu decidi que ia procurar um emprego em alguma ONG e entrei em um site chamado idealist.org para ver se eu encontrava alguma coisa que me interessasse. Logo na primeira página eu achei uma vaga para trabalhar em uma ONG chamada Mayan Families, na Guatemala. Não pensei duas vezes, me inscrevi.
Não deu duas semanas eu já tinha sido entrevistada, aprovada e já estava arrumando as malas para me mudar para a cidade de Panajachel, onde ficava a ONG. E foi assim que eu fui parar na Guatemala.
Cheguei em Guatemala City (a capital) e a empresa aérea tinha perdido as minhas duas malas. Não pude ficar no aeroporto porque eu tinha um transfer para Antigua, de onde eu pegaria outro transfer para Panajachel, mas eles disseram que mandariam minhas malas para o correio de Panajachel assim que as achassem. Saí de lá com a roupa do corpo e uma mochila com o meu computador.
Depois de umas quatro horas de transfer eu finalmente cheguei em Panajachel e a minha primeira impressão é a de que eu estava em um filme. O vilarejo fica na beira de um lago, cercado por vulcões e outros pequenos vilarejos. A população Maia se mistura com os guatemaltecos brancos (como eles chamam os descendentes de espanhol) e com uma enorme população de americanos hippies aposentados.





A ONG tinha organizado uma acomodação para mim na casa de uma Australiana que morava por lá há um tempo, trabalhava com astrologia e mapa astral e era dona de muitos gatos. Eu ficaria na casa dela até que eu conseguisse alugar uma casa para mim. Essa australiana, chamada Mathilda, depois ficou minha amiga e fizemos algumas viagens juntas.




No dia seguinte, depois de passar no correio para pegar as minhas malas que realmente tinham chegado, eu me arrumei, calça jeans e camiseta, e segui para o escritório da ONG. O escritório era uma casa com um quintal, os funcionários e voluntários se dividiam entre os quartos e salas e no quintal era onde recebíamos as pessoas que estavam vindo pedir ajuda.


Logo que cheguei fui recebida por uma americana baixinha chamada Suzy, que era mais ou menos a responsável pelos voluntários e novos funcionários. Ela olhou para mim de cima abaixo e disse “que bom que você não veio trabalhar de biquini, estava preocupada pois a única brasileira que eu conheço é uma prostituta”. Na hora eu fique paralisada, não sabia nem o que dizer, mas depois eu vim a entender que a Suzy era uma pessoa com alguns probleminhas.
Mas a Suzy também me deu um conselho que eu uso até hoje, ela me disse que a vida na ONG era tão difícil e tão cheia de problemas que era muito importante eu ter um lugar confortável para voltar todos os dias, que eu deveria procurar uma casa que me fizesse sentir bem, que tivesse boas energias e que eu deveria buscar lençóis de qualidade porque dormir bem era essencial. Suzy estava muito certa nesse ponto.
Na ONG trabalhavam americanos, guatemaltecos e eu. Eu era a primeira não americana a ser contratada por eles, pelo simples motivo de que somente os americanos se candidatavam às vagas que eles postavam. Nesse ano que eu passei por lá eu entendi que os brasileiros (e outras nações latino americanas) não tem essa cultura de doação, não da mesma forma que os americanos.
Eu fui contratada para ser a Coordenadora de Ajuda à Família, substituindo a Anna, uma australiana que estava voltando para seu país. Meu trabalho era conversar com as famílias (Maias na sua maioria) que vinham até o escritório pedir ajuda e escrever suas histórias em um blog da ONG explicando o que eles precisavem, para conseguir doações. Os tipos de ajuda eram os mais diversos, casa, médico, remédios, roupas, advogado, comida, etc.


Essa ONG tinha uma grande rede de apoio e a maioria das famílias conseguia aquilo que eles vinham pedir. Digo famílias, mas grande parte das pessoas que vinham eram mulheres com crianças, porque os homens ou estavam trabalhando ou, na maioria das vezes, tinham abandonado a mulher e os filhos para ir para outro lugar.
Grande parte disso é herança da guerra civil da Guatemala (aquela que eu estudei e que me fez querer viver lá). Durante a guerra muitos homens fugiram para o México ou Estados Unidos para não terem que lutar e para conseguirem algum dinheiro para mandar para casa, mas muitos nunca voltaram. Outros homens Maias foram mortos em combate. Isso fez com que a população Maia ficasse muito mais mulheres do que homens e muitas dessas mulheres ficaram sozinhas com seus filhos.
Outra coisa interessante é que grande parte da população Maia não fala espanhol, eles falam uma das muitas línguas indígenas existentes no país, em Panajachel o idioma mais falado é o Kaqtchiquel, então em muitas das conversas que eu tinha com as famílias, um intérprete da ONG tinha que participar, traduzindo para mim em espanhol o que estava sendo dito.
Logo nas duas primeiras semanas eu me mudei para a casa em que a Anna morava com mais uma amiga americana-mexicana, a Christina (pessoa fenomenal com quem eu tenho muitas histórias). Esse lugar era um complexo de 3 casas grudadas cercadas por muros, depois de um tempo eu me mudei sozinha para uma das casas que vagou e foi ali que eu morei por todo o tempo em que estive lá.
Nesse ano inteiro eu não tive televisão, minha internet era um USB stick, meu telefone era um daqueles Nokia mais antigos que só ligavam e mandavam mensagens, a cidade não tinha loja de roupas, sapatos, roupa de cama, nada nada, só um supermercado pequeno e uma mercearia de um americano hippie.







Tenho e quero contar muitos casos que eu atendi nessa ONG e muitas histórias que eu passei com os amigos que eu fiz lá. Panajachel é um lugar turístico, então apesar de tudo a gente tinha uma vida noturna agitada. Noturna que eu digo é das 18h às 24h, porque meia noite tinha toque de recolher e a milícia local não deixava ninguém na rua depois desse horário.
Vou deixar essas histórias para um outro momento, para não prolongar demais esse post aqui, mas se você se interessou, aguarde que vem mais por aí!
Adore Dina
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Parabéns! Adorei sua história!
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Obrigada 🙂
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