Somos todas tia Beth

Eu não conheço a tia Beth, não pessoalmente. Mas ela existe e é tia de uma amiga minha aqui de Portugal.

Tudo começou quando estávamos conversando sobre maternidade no nosso grupo de whatsapp só de mulheres. Foi no fim de 2021 e cada uma estava contando sobre suas dificuldades e compartilhando coisas sobre os filhos.

Eis que essa amiga, que andava meio sumida, entrou na conversa só pra dizer que ela tava só a tia Beth. E explicou que Beth era uma tia dela que, quando mais jovem, a família dizia que parecia que estava sempre drogada, porque o mundo podia estar caindo que ela tava lá, só olhando e esperando o desastre acontecer.

E com os filhos não era diferente, às vezes eles estavam destruindo a casa e ela tava lá, sentada, olhando para o infinito.

Imediatamente todas se identificaram. Todas nós lembramos de uma situação ou outra em que os filhos estavam tocando o terror e a gente não tinha forças pra reagir, ficava lá, olhando tudo como se fosse um filme.

Tia Beth, assim como nós, e assim como quase todas as mães desse mundo, provavelmente só estava cansada. Ela sabia exatamente o que estava acontecendo, mas não tinha mais energia para se levantar.

E a maternidade é isso mesmo, ela tira nossas forças, ela vai nos desgastando até o ponto em que a gente fica sem forças para reagir.

Claro que para algumas mães é muito mais cansativo do que para outras. Tem que crianças que são mais difíceis e outras mais fáceis. Algumas mães têm mais ajuda, têm família, tem babá, tem um parceiro ou parceira presente que cumpre o seu papel, enquanto outras acabam carregando todo o trabalho pesado sozinha.

Só que o cansaço da tia Beth é diferente, é um fenômeno que, na maioria das vezes, recai sobre a mãe, independente da criança ou do apoio que ela tem. É o cansaço das pequenas decisões.

É normalmente a mãe que precisa ver se as vacinas estão em dia, se tá na hora de ir no dentista, se o sapato ficou apertado, se tem roupa limpa pra ir pra escola. E se tem que tomar vacina, precisa marcar, precisa comprar outro sapato, mas decidir se é melhor comprar um número ou dois maior. E pra quem vai esse sapato velho, será que já tem roupas que estão pequenas para serem doadas também. Tem que pensar nos brinquedos, doar alguns, talvez comprar outros, decidir que tipo de brinquedos são mais adequados. E televisão, a criança está vendo muita televisão, os programas são apropriados para a idade, e se não são tem que convencer a criança a escolher outros programas, e se ela não quiser, e se os amigos todos assistem aquele programa, o que fazer.

E a lista de pequenas decisões segue sem fim. São muitas por dia. Isoladamente elas não parecem muita coisa. O sapato apertou, compra outro. Tem que tomar vacina, marca médico. Tá vendo muita televisão, desliga o aparelho. Parece até bobagem quando a gente pensa assim, em cada uma dessas decisões.

Só que não existe uma decisão isolada, cada uma leva para mais um monte, que junta com as outras tantas que também precisam ser tomadas que estão lá, na cabeça da mãe e só da mãe.

Não é à toa que a tia Beth parecia dopada, ela estava. Não de drogas, mas de cansaço. Cansaço de carregar esse peso da maternidade nas costas, ou melhor, na cabeça, sabendo que isso não tem fim.

Eu tirei a sorte grande, tenho uma filha extremamente fácil e um marido que faz muito da parte física. Acorda cedo com ela, dá comida, dá banho, leva pro parquinho e mais um monte de coisas. Mas mesmo assim eu fico cansada, porque essas pequenas decisões ainda são minha responsabilidade, estão o tempo todo na minha cabeça.

Eu sempre achei que talvez eu me preocupasse demais e que outras mães não tivessem esse tipo de confusão e cansaço mental, mas aí fui apresentada à tia Beth e descobri que somos todas tia Beth.

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